5 livros de poetas lusófonas contemporâneas

Nexo Jornal
setembro 2021

“Poesia numa hora dessas?”, caro leitor? Sim: justamente numa hora como essa.

Se escrevemos para tentar responder, de modo obscuro, às perguntas feitas por todos os seres humanos, nada melhor que esse suporte para ampliar questionamentos e, através deles, tatear respostas. Pois há um elemento distintivo que separa um quadro de uma estampa didática, um móvel de uma escultura, um sorriso de um esgarçar de dentes – esse elemento é a poesia.

Para o poeta francês Paul Valéry a poesia estaria para a dança e a prosa, para a marcha. O mexicano Octavio Paz distingue que há muitas formas de dizer uma mesma coisa em prosa; mas somente uma em poesia. Aristóteles acreditava que a poesia ocuparia um lugar intermediário entre a história, que reina sobre os fatos, e a filosofia, que rege o mundo do necessário. Giorgio Agamben, filósofo italiano, também aproxima a poesia da filosofia: a primeira possuiria um objeto sem conhecê-lo; a segunda o conheceria sem possuí-lo. “Há golpes na vida tão fortes… Eu não sei!”, escreveu o poeta peruano César Vallejo numa tentativa de definir o que era poesia. Para ele, os “golpes tão fortes” seriam o impessoal e o “eu não sei”, o pessoal – a poesia seria as reticências. Em “O prazer do texto”, Roland Barthes discorre sobre o erotismo contido na poesia, tanto por seu caráter de incompreensível e inexato, quanto pela intermitência, interrupção e intervalo – como, em um corpo, o lugar mais erótico sendo aquele em que o vestuário se entreabre. Na poesia, a fenda é lugar específico de forma. Para William Wordsworth, poeta romântico inglês, a poesia seria a emoção relembrada com tranquilidade.

Dito tudo isso, seria mais seguro dizer o que a poesia não é; não o que ela é. Talvez devêssemos ler poesia em vez de tentar enjaulá-la em definições. E como me vali de muitos homens que tentaram falar sobre essa arte fronteiriça, enumero agora cinco livros de poetas mulheres lusófonas e atuantes com produções interessantíssimas para ir de fato às vias da poesia.

Parque das ruínas
Marília Garcia (Luna Parque, 2018)

Engana-se quem acha que vai abrir este “parque das ruínas”, e folhear poemas avulsos, como acontece na maioria dos livros do gênero. Essa experiência não acontece na obra de Marília Garcia, que em 2018 ganhou o Prêmio Oceanos por “Câmera lenta”, lançado em 2017 pela Companhia das Letras. Seu estilo de fazer poesia é como quem escreve pensando, como quem pensa escrevendo e como se essa escrita ou esse pensamento fossem uma voz constante em nossos ouvidos. Há, na poética de Marília, o hábito de construir os edifícios em que se sustenta a poesia, mas sem retirar os andaimes.

Risque esta palavra
Ana Martins Marques (Companhia das Letras, 2021)

“Risque esta palavra”, da mineira Ana Martins Marques, tem escrita concisa, elegante e sem hermetismos, proporcionando uma proximidade do leitor com o mundo apreendido e também com o criado pela poeta. No livro há humor, jogos de palavras e afirmações de contrários. Alguns de seus temas preferidos são o próprio poema, a casa, o tempo, o mar e seus elementos, as palavras, o amor/desamor, o silêncio, o desejo, as armadilhas, os mapas e os territórios. Com uma simplicidade de gestos e palavras, Ana constrói poemas que conseguem “chamar o sem nome/ pelo nome” e articular diversos “ses”.

Notícias da ilha
Ledusha Spinardi (7Letras, 2012)

Na poesia de Ledusha Spinardi, há “os que conduzem a dança/ os que têm presas no olhar/ os belos atormentados/ os que gostam DE mulheres/ os que gostam DAS mulheres/ os que decifram/ os que devoram/ os de coração falido/ os marinheiros sem mar”. Com leveza, humor, um quê de rock n’roll e uma vida que uiva abrindo seus braços (em paráfrase à poeta), mais de três décadas de de versos da autora estão reunidos em “Notícias da ilha”. Em poemas curtos, diretos e de alta voltagem, Ledusha traz constatações sobre o presente, verdades, jogos semânticos, e o amor, que “te expõe a tudo/ de nobre, insano, vago e impossível”.

Deriva
Adriana Lisboa (Relicário, 2019)

“Deriva” não é só título, mas também a sensação que se estende pelos poemas de Adriana Lisboa neste livro, já que “crescer não acaba nunca”, “viver é estar/ quase sempre na fila errada” e “partir sempre/é outra maneira/ de ficar”. Mesmo que a maioria dos poemas provoque reflexão e estranhamento, há ainda sacadas com humor e ironia: “Eu te darei o céu meu bem/ (o paraquedas/ é por sua conta)”. Para a poeta, as “coisas do mundo” importam mais que seus efeitos. A filosofia oriental e o silêncio também são temas que permeiam “Deriva”, num entrelaçar de concisão e densidade.

Estar em casa
Adília Lopes (Assírio & Alvim, 2020)

Nascida em Lisboa, Maria José da Silva Viana Fidalgo estreou em 1985 como Adília Lopes com “Um jogo bastante perigoso”. Sua produção, tida como “politicamente incorreta e esteticamente subversiva” rompe com qualquer eventual conservadorismo ao flertar com a arte pop e o kitsch. Em “Estar em casa”, há espaço de sobra para a delicadeza, a inocência, e o banal: “Só gosto das pessoas boas/ quero lá saber que sejam inteligentes artistas sexy/ sei lá o quê/ se não são boas pessoas/ não prestam.” Não entram em seus versos a arrogância, o luxo ou a falta de humanidade — aterroriza-lhe a ideia de fazer uma poesia que não seja rente ao viver.

Luiza Mussnich nasceu no Rio de Janeiro, em 1991. Jornalista com especialização em Escrita Criativa pela PUC-Rio, publicou pela 7Letras os livros de poesia Microscópio (2017), Lágrimas não caem no espaço (2018), Para quando faltarem palavras (2018) e Tudo coisa da nossa cabeça (2021). Já colaborou para as revistas Piauí, 451 e Vogue Brasil e participou da coletânea de textos ficcionais da revista Época com o poema Berlim.