quando o bicho sobe à superfície

a temperatura faz as roupas cismarem em desabitar os corpos
o bicho que escondemos
o ano todo
o tempo todo
mostra suas curvas, suas listras, seus desenhos
nos faz dançar, desejar, uivar
nessa época crescem as garras, os pelos, os impulsos
o rugido me mantém
entre o mar e a floresta
ouço o que têm a dizer as ondas quebrando na areia e os animais caçando
um som que se confunde — sobretudo na cidade onde vivo
não há nada maior que um oceano em fúria e um mamífero excitado, eu pensava
até observar com calma o menor animal do mundo, meu filhote, engatinhando pela praia
deslumbrado com a extensão do azul
com as formas que a natureza pode forjar
com a porosidade da rocha diluída em trilhões de grãos
olhando pra mim e balbuciando a língua mais antiga do mundo
sons que podem significar qualquer coisa
não são traduzíveis
minhas patas e focinho tentam me arrastar de volta para a floresta
mas só consigo seguir aquelas pegadas mínimas
beirando o oceano
rastejando pelas dunas
em direção a lugar nenhum