Cada um sabe do fim que escolhe para si
O que um fim significa para você? Não precisa responder agora. Não é uma resposta fácil. Aliás, será que tem resposta?
A pergunta é na verdade tão complexa que deu lugar à mostra de inauguração do Met Breuer, novo braço do museu The Metropolitan, em Nova York. Unfinished: Thoughts Left Visible (em tradução livre: Inacabados: Pensamentos Deixados Visíveis), exposição em cartaz até dia quatro de setembro, levanta a discussão sobre quando e se podemos dizer que uma obra de arte está terminada. São por volta de 200 trabalhos, tidos como inconclusos ou “abertos”, dos últimos cinco séculos, dispostos em dois andares. Entre os artistas, Picasso, Monet, Van Gogh, Turner Pollock, Yayoi Kusama, Lygia Clark e muitos outros.
A exposição me suscitou uma série de questionamentos sobre a arte e também sobre a vida: o que aconteceu para o artista não terminar a obra (morreu, perdeu interesse no que criava, a encomenda foi desfeita)? Existe esse momento em que podemos dizer que uma obra está terminada (não sempre cabe mais uma pincelada, um último traço, mais uma palavra)? Quem disse que não terminou ali? Que imposição do fim é essa, que nos sufoca e nos cobra resoluções, decisões, posicionamentos absolutos?
Criticado por apresentar obras apenas “meio” acabadas, Rembrandt rebatia que seu trabalho estava completo quando todas as suas intenções artísticas haviam sido realizadas. Para Matisse, um quadro podia se dar como terminado quando representava suas emoções e lhe dava a sensação de que não havia mais nada a ser adicionado. O escultor Giacometti nunca considerava suas obras prontas e quando Klimt nos deixou, ficaram para trás lindos retratos pela metade. Clarice Lispector acreditava que, uma vez escrito, o texto não lhe pertencia mais. Se ficasse relendo eternamente, sempre mudaria o que escreveu. Mas o fim parece se fazer necessário como forma de conclusão de uma etapa.
Terminar um livro, um namoro, uma vida. Terminar é dar aquilo como satisfatório, concluído, superado. Finais são perdas, cortes, rupturas. Será que o artista pensa nisso? A arte é tão subjetiva quanto a ideia de finitude.
Não são excelentes formas de desnudar o processo do artista, as obras inacabadas? A partir dela conhecemos o funcionamento de sua prática e mente, o que ele prioriza. Até mesmo os quadros renegados e escritos deixados de lado pelo autor: não nos ensinam algo sobre técnica e execução?
Fora os quadros clássicos, algumas obras contemporâneas, em eterna construção, chamaram minha atenção porque precisam do desgaste e do espectador. Um busto de chocolate, lambido pelo artista. Um busto, à semelhança dos bustos feitos desde a época grega, num material tão inusitado e perene, sujeito ao tempo e imperpetuo. Uma quina cheia de balinhas embrulhadas em papel colorido que, quando idealizada pelo artista, continha o mesmo peso que seu par tinha quando morreu de HIV. O espectador fazendo parte da obra na medida em que é convidado a pegar uma bala e entender a dor e homenagem do artista, que escolheu a doçura para lembrar seu companheiro.
Assim como as obras inacabadas, estamos também em processo permanente de composição. As cidades estão em constante mudança, assim como as estações do ano, que de três em três meses nos lembram que a vida não é estática, nem definitiva. Tudo bem voltar atrás, tudo bem não ter certeza de tudo. A vida em si já é processo.
Como diria o escritor Jorge Luís Borges: ”Há um verso de Verlaine que não tornarei a lembrar. Há uma rua próxima que está vedada a meus passos. Há um espelho que me viu pela última vez. Há uma porta que fechei até o fim do mundo. Entre os livros de minha biblioteca, há algum que já não abrirei.”
Sinto que estou com dificuldade de terminar esse texto. Será que as coisas acabam mesmo no fim?