Pêndulo
Uma mulher sai de casa para trabalhar em outra cidade. Durante o trajeto, ela relembra fatos e sensações do início de seu relacionamento. Cada vez mais, a mesmice e o movimento pendular vicioso que realiza com sua vida a sufoca e a convivência se deteriora. Nas ações mecânicas do dia a dia - do banho ao sexo - ela sente um desejo imenso de deixar de ser parte dessa engrenagem.
Gosta da sensação do sabão na pele molhada. Tem saudade mesmo das brigas por quem ficava debaixo do chuveiro — quente, quase queimando a pele, ou morna? Gelada quando entravam suados. As pernas abertas, uma delas apoiada na parede: agora para a bucha espumosa percorrer os declives. A gilete nas axilas, canelas, virilhas. Olhos acompanham os pelos desaparecendo em espiral no ralo.
Tempo em piloto automático.
Lembra do começo: é bom beijar uma boca pela primeira vez, apesar da estranheza.
Beija-se antes de mastigar. O gesto surgiu da passagem de comida de boca em boca para crianças, como fazem, até hoje os passarinhos com seus filhotes.